A diabesidade é hoje um desafio de saúde pública. Segundo a OMS, estima-se que o número de adultos acima do peso no planeta alcance, em 2025, a casa dos 2,3 milhões, sendo 700 milhões em nível de obesidade, com índice de massa corpórea (IMC) superior a 30. Já o Atlas Mundial da Obesidade, da World Obesity Federation, aponta que, até 2035, mais de 750 milhões de crianças e jovens, entre 5 e 19 anos, deverão viver com sobrepeso e obesidade. Para o Brasil, que atualmente contabiliza nesse intervalo etário a proporção de 1 caso a cada 3 indivíduos, as projeções indicam aumento substancial para os próximos anos: estima-se que, até 2035, o IMC elevado se torne prevalente em 50% dessa faixa da população.
O tema exige a articulação de diferentes atores. Ainda que afete as condições de existência do indivíduo e sua qualidade de vida, está longe de ser uma questão de cunho meramente pessoal. Isso porque envolve dimensões sociais, culturais e econômicas inerentes ao modo de vida contemporâneo, marcado por sedentarismo e estresse crescentes, menor tempo de sono, piora da qualidade de descanso e ingestão de uma dieta farta em alimentos processados.
“Vivemos em um ambiente obesogênico, campo fértil para a explosão de casos de obesidade e diabetes, inclusive concomitantemente”, alerta o endocrinologista Fábio Moura, do Instituto de Medicina Integrada de Pernambuco e membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). Por sua gênese multifatorial, a diabesidade exige um amplo trabalho de conscientização da sociedade e uma estratégia de enfrentamento que, segundo Simone Tcherniakovsky, da Novo Nordisk, pressupõe uma colaboração intersetorial. “A diabesidade se tornou uma epidemia em escala global. Para além de um desafio social, constitui hoje uma responsabilidade coletiva”, opina.
Guilherme Nafalski, do Instituto Cordial, observa que a inação sobre a obesidade custa caro para o Brasil, país onde 60,3% da população adulta apresenta sobrepeso, conforme o IBGE. Ainda que as perdas não se limitem à esfera financeira, é possível dimensionar de modo tangível o impacto econômico decorrente da falta de políticas e ações eficazes. Nesse sentido, o cientista político destaca dados do World Obesity Federation, dando conta que o sistema de saúde brasileiro despendeu em 2019 o montante de R$ 40 bilhões com questões ligadas à obesidade.
“Zíper na boca” e exercício, uma receita insuficiente e imprecisa
Estigma e preconceito são aspectos presentes na vida daqueles que convivem com o sobrepeso. Para Mônica Silveira, professora da Unicamp e presidente do Instituto de Saúde Mental e Diabetes, muitos consideram que basta ter disciplina e força de vontade para sobrepor a questão, desconsiderando alterações existentes no controle da saciedade. “A pessoa com obesidade ou sobrepeso não raro é vista como culpada por sua condição. Nesse contexto, a saúde mental é mais um elemento a considerar na diabesidade, tendo em vista que a presença concomitante dessa tripla situação enseja dinâmica segundo a qual uma circunstância pode agravar a outra”, explica a psiquiatra.
A influencer Glenda Cardoso, profissional de marketing com especialização em nutrição, convive com a obesidade desde a juventude e chegou a pesar 174kg. Sem conseguir mais andar, antes mesmo dos 40 anos realizou a cirurgia bariátrica, eliminando 91 quilos. Com condição socioeconômica favorável, Glenda teve acesso a tratamento e exames, realidade que não está presente para grande parte dos brasileiros. “A maioria não tem acesso a exames básicos e à alimentação de qualidade, uma vez que os alimentos mais baratos são industrializados, ultraprocessados e pouco nutritivos. Além disso, há a morosidade de atendimento do Sistema Único de Saúde e, para os que passam pela cirurgia bariátrica, não existe sequer a imprescindível suplementação vitamínica”, revela a influencer.
Danilo Campos, coordenador geral da Atenção Especializada do Ministério da Saúde, reconhece as dificuldades, inclusive com relação à lacuna entre a oferta de atenção básica e a alternativa cirúrgica, de alta complexidade. “A atenção especializada vem exatamente para suprir o vácuo que existia entre o diagnóstico inicial e a cirurgia bariátrica”, explica Campos, afirmando que a expectativa, a partir dessa nova política, é imprimir mais dinamismo ao encaminhamento dos casos.
Diabesidade, caminhos e possibilidades
Sob uma perspectiva socioeconômica, Guilherme Nafalski enfatiza que a obesidade e a diabesidade têm cor e gênero, estando presentes nas populações mais pobres e periféricas. “Vivemos o paradoxo de encontrar pessoas com obesidade e, ao mesmo tempo, desnutridas”, relata. Desonerar frutas e legumes poderia ser um caminho, sugere o endocrinologista Fábio Moura, lembrando que uma dieta adequada passa pela condição financeira da população.
Fundador e presidente do Instituto Obesidade Brasil, Carlos Schiavon observa que os desafios são enormes, requerendo várias frentes de atuação. Como solução básica e premente, Schiavon sugere a educação nutricional nas escolas. Para ele, a iniciativa não apenas contribuiria para interromper um processo já em curso em uma população infantil com ganhos importantes de sobrepeso, como também ajudaria a criar uma cultura, influenciando as gerações futuras na adoção de novos hábitos e outra consciência.
Em Campinas, no interior paulista, o programa Cities Changing Diabetes é um bom exemplo. Presente em 40 cidades pelo mundo, a iniciativa tem o apoio do governo da Dinamarca e do Novo Nordisk. “Nosso município é a porta de entrada do projeto no Brasil”, conta Renata Mariano, da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas. A iniciativa busca reduzir os índices de obesidade e diabetes tipo 2 na região, a partir de conceitos e práticas de alimentação saudável em escolas, da educação infantil ao ensino médio. Implantado em 2022, o programa já beneficiou 50 mil pessoas.
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